Era um fim de tarde, do dia 3 de novembro de 2020, quando Gisele Palmerim estava em casa, uma chuva iniciou e muitos trovões e raios aconteciam, e à noite a luz foi embora. Ela imaginou que seria uma das quedas normais de energia da cidade, até escutar rumores de vizinhos e verificar no celular que um raio havia atingido a subestação da zona norte e estava pegando fogo. O burburinho era grande sobre o incêndio, mas não se tinha a informação confirmada.
Gisele ligou para o irmão, que é motorista de Uber, se ele sabia de algo. Então, o irmão se dirigiu até o local da subestação e confirmou a história. A chuva foi cessando, mas a energia nada de voltar, e as informações foram chegando e nada positivas, cerca de 13 municípios foram atingidos com a falta de energia e assim se caracterizou o apagão no Amapá, que levou 4 dias de total falta de energia, e mais 18 dias de racionamento.
A diarista Rita Pereira se lembra do seu desespero, pois havia feito compras do início do mês e a comida podia se estragar. Na primeira noite do apagão, os mercadinhos da cidade ficaram cheios com clientes a procura de vela e gelo. Na madrugada, já quase não se achava com facilidade esses produtos. Rita acreditava que seria só aquela noite e que no dia seguinte iam consertar e a energia ia voltar. Assim como ela, outros também pensaram a mesma coisa.
Mas no dia seguinte a energia não se estabeleceu, afetando o abastecimento de água, além de serviços de telefonia e internet, bancos e outros. Cerca de 90% da população estava sem energia. As pessoas correram aos supermercados para comprar produtos em conserva, água e gelo. Enquanto centenas de microempresários de mercados da cidade viam seus produtos do estoque de frios se estragando, alguns conseguiram adquirir geradores de energia, mas nem todos tinham recursos para isso.
Conseguir água foi um dos maiores problemas enfrentados pela população, que lotavam filas para conseguir o produto, casas que possuíam piscinas, utilizam a água para banho e limpeza da área. “Foi um pesadelo! Estávamos em plena pandemia, e uma situação que jamais tínhamos esperado. Minhas proteínas só não se estragam porque dei a maior parte, tivemos que racionar água em casa, no segundo dia do apagão. Fiquei sem bateria do celular, consegui só no dia seguinte carregar no supermercado, uma amiga foi no aeroporto, mas não estavam mais deixando carregar lá”, relatou a diarista.
Só no dia 5 de novembro, terceiro dia do apagão, que o Governo do Estado apresentou um plano de ação para retomada da energia, que incluía a recuperação de um dos transformadores incendiados, foi solicitado um novo transformador, vindos de outros estados para garantir a energia, e depois seria feito a aquisição de termelétricas.
Enquanto isso a Prefeitura de Macapá disponibilizava água das caixas das escolas municipais para a população. Já o Governo Federal, por meio do ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, prometeu que em dez dias, seria restabelecida a energia no Amapá.
Somente dia 8 de novembro, a energia voltou em forma de rodízio, de seis em seis horas, somente locais próximos a hospitais, como centro de Macapá, ficou com energia por mais horas. Mas teve locais na cidade que ficou sem rodízio, completamente sem energia e assim surgiram os protestos, onde os moradores tocaram fogo em pneus e outros utensílios nas ruas e rodovias, pedindo que sua área entrasse no rodízio, queria saber o porquê estavam sem energia. Foram mais de 100 protestos em Macapá registrados pela Polícia Militar, durante todo o apagão.
“A luz foi voltando no sistema de rodízio e o trecho onde morávamos não chegava a energia, ligávamos para CEA e ninguém sabia nos responder, passamos 2 dias após o racionamento e nada de termos, nem um hora, nem duas, nem as 6h horas que diziam nos noticiários. Com criança pequena e idoso em casa, um calor infernal, e muito mosquito. Não aguentávamos mais e ninguém nos dava atenção, estávamos esquecidos, alguns vizinhos resolveram ir pra rodovia tocar fogo e protestar, eu não os recriminei, porque estava vivendo um inferno com minha família em casa. Me juntei a eles lá, a imprensa veio e nos ouviu, no dia seguinte a equipe da CEA veio verificar, disseram que havia problema de sobrecarga na fiação, levaram mais de um 1 dia, e só assim entramos no rodízio”, explica o vendedor José Mario.
Depois de 7 dias do apagão, pela primeira vez a Concessionária Linhas de Macapá Transmissora de Energia (LMTE), que opera sobre a subestação incendiada, se pronunciou sobre o apagão. A agencia foi notificada para prestar esclarecimento a investigação da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel).
No laudo preliminar feito pela Polícia Civil sobre as causas do incêndio no transformador foi descartado que o equipamento foi atingido diretamente por um raio e que o fogo começou em uma bucha, causando os danos.
No 10° dia de apagão, ocorreram mudanças no rodízio, passando para turnos de 3 em 3 horas e outros de 4 em 4 horas. As eleições que aconteceriam no dia 15 de novembro, a capital Macapá teve o pleito adiado. Mas os outros municípios tiveram o processo normal.
Foi informado para a população que o racionamento no fornecimento de energia elétrica no estado deve ir até 26 de novembro, prazo esse para ter a chegada de um transformador vindo da subestação de Laranjal do Jari.
Mais no décimo quarto dia, aconteceu um novo apagão, que atingiu os 13 municípios, ficando todos mais uma vez sem energia. “Lembro que era de noite e estávamos esperando voltar energia do rodízio, ela veio e foi embora logo depois, quando demos conta todos estavam sem. O desespero voltou e ficamos já achando que ia começar tudo de novo, mas ainda bem que voltou na madrugada. Foi um susto dentro do susto que já estávamos vivendo”, relembra Gisele.
Depois de 19 dias sem energia, o presidente Jair Bolsonaro veio ao Amapá para ligar parte dos geradores termoelétricos e anunciou medida provisória que isentava os consumidores atingidos com o apagão de pagarem a conta de energia nos 30 dias anteriores. No entanto, depois do acionamento dos geradores, bairros seguiram sem energia na capital, o que aumentou as ondas de protesto na cidade.
“Até agora estou esperando a CEA me estornar o valor que me cobraram da energia nesse período, não houve isenção não, liguei e reclamei e nada”, declara S. Souza, moradora do Pacoval. O fim do pesadelo dos amapaenses, aconteceu no dia 24 de novembro, após 22 dias de apagão, com a suspensão do rodízio e retomada em 100% da energia em todo o estado. A manobra foi possível com a energização do segundo transformador na subestação incendiada.
Esta quarta-feira, 3, de 2021, completa um ano de apagão, recentemente houveram várias quedas de energia em bairros de Macapá e Santana, inclusive hoje teve, e no fim de outubro, um incêndio na vegetação da subestação da zona norte, deixou parte dos bairros dessa área sem energia, levando a lembrança do apagão.
“Um aniversário que não queremos lembrar, uma data que foi terrível, não desejamos aquele inferno pra ninguém, dias de agonia, dias de angustias, sofrimento, e de incertezas. Queria esquecer, mas não podemos, temos que brigar por providencias, que os culpados paguem, que nossas autoridades façam seu papel, e que a fiscalização dessas empresas seja feita o tempo todo, nós pagamos impostos para isso”, destaca a diarista Rita.