O dia depois do apagão
A energia acabou de ser restabelecida no bairro onde moro, que é o Trem. Quase 5h da manhã de sábado, dia 07/11/2020. Torcer pra ser definitivo.
A maioria das casas aqui tem idosos. E crianças. Uma, duas, três gerações de famílias, que durante todo esse período que se iniciou na tempestade de segunda para terça-feira, dias 02/03 de novembro, passaram, como eu, por situações jamais imaginadas.
Vi famílias dormindo nas calçadas, descendo a ladeira para pegar água do rio, gente cobrando pra carregar celular onde havia energia, aumento astronômico dos preços dos mais diversos itens, filas para comprar combustível, gelo, água mineral, itens de supermercado, pra sacar dinheiro; pessoas brigando por velas, lanternas ou gelo, ânimos exaltados, todos nervosos e no limite.
Mas também vi muita solidariedade, pessoas e empresas oferecendo água, energia, internet e respeito, além das pessoas que conseguiam e compartilhavam informações em tempo real, o que não me deixou perder de vez a fé na humanidade.
Quase cinco dias em que me senti dentro de um filme de enredo apocalíptico, que espero ter terminado.
Agora, refletindo como somos, escravos e ao mesmo tempo privilegiados, agradeço por ter de volta coisas que considerava banais, como dar descarga no vaso, água encanada, banho quente, wi-fi, carregar meu celular na tomada e não no carro, assistir televisão, ligar a central de ar pra dormir, ligar uma lâmpada (!).
Mas não vou deixar que minha gratidão por ter tais privilégios de volta calar minha ânsia de ter os responsáveis por isso tudo que nosso Estado passou, devidamente responsabilizadas.
Foi claramente demonstrado o descaso com que somos tratados, tanto pelo longo período em que vivemos de forma precária e sem que a mídia nacional pelo menos exercesse a empatia que seria exercida caso fôssemos RJ ou SP, quanto pela empresa responsável pelos transformadores, onde um deles estava “em manutenção” desde dezembro de 2019, o que, para não falar o que realmente penso e sinto, me reservo a classificar de conduta desrespeitosa e irresponsável.
Sem esquecer que passamos por tudo isso ao mesmo tempo em que enfrentamos uma pandemia. Sobrevivemos. Mostramos nossa força. Não precisávamos passar pela provação do apagão, mas passamos. Mais uma vez a força do povo do Norte foi posta à prova e sim, somos FORTES MESMO, cascudos, resistentes.
Só falta deixar de sermos acomodados e nos fazer respeitar, não apenas nas hastags dos protestos virtuais, mas através de ações efetivas, como a escolha de nossos governantes e a cobrança de suas responsabilidades.
Querida Telma, também moro no trem e vivencio esse momento no mínimo constrangedor. Ainda continuo sem água encanada. A Caesa, talvez nossa pior fornecedora pública, ainda não nos agraciou com o líquido precioso. É tanta incompetência num só lugar que não sabemos a quem culpar, talvez a nós mesmos, pela acomodação e conveniência. Força na peruca aos que por aqui restarem, muitos já acharam o rumo da felicidade, o aeroporto.
Agradeço o comentário, Ana Lúcia e vivenciei BEM o que foi ficar mais de 24h sem água encanada. Compartilho de sua indignação e temos mesmo que ter força e não calar. Sigamos!
Parabéns Telma pelo ótimo texto que resumiu todos os fatos ocorridos nesse período de provação. Eu também entendo que as empresas fornecedoras ou distribuidoras de energia elétrica e as autoridades públicas (que deveriam fiscalizar esse serviço) devem ser responsabilizados com toda a força da lei para que se passe a mensagem ou exemplo aos outros responsáveis pela saúde, educação, segurança e outros serviços essenciais que eles devem sempre estar pensando se os serviços e equipamentos estão funcionando corretamente e sempre tendo um plano emergencial para situações como essa.
Gratidão, Julierme! Temos mesmo que lutar pela responsabilização devida por todos os transtornos vivenciados por nós, e que seja pedagógico! Para que todos os outros segmentos saibam que estamos a observar seus desempenhos e respectivas fiscalizações.
Parabéns pelo texto, quando lemos acabamos nos identificando e sendo representados.
É a realidade dos últimos dias, vimos a solidariedade entre as pessoas, mas infelizmente vimos o aparecimento dos comerciantes exploradores com preços abusivos. Vimos o lado bom e o lado mau, por isso aprendemos com tudo isso grandes lições.
Mais uma vez digo, obrigado por ser a nossa
voz, incentivo a continuar escrevendo.
Fico feliz com suas palavras, Euclides! Somos humanos e todos possuímos o bem e o mal dentro de nós, mas também temos discernimento para pensar nas consequências de nossas atitudes. Vou continuar a escrever sim e conto com você para me auxiliar no amadurecimento deste processo produtivo. Gratidão.
Excelente texto para reflexão minha amiga.
Você foi muito objetiva e não baixou o nível.
Prossiga na missão, a sua experiência e caráter tem muito a colaborar na formação de pessoas do bem.
Selva!!!!
Muito agradecida, meu querido amigo Soares! Pretendo continuar a contribuir no processo crítico e reflexivo, que sejam de dois ou dez, mas já é uma contribuição. Sigamos! Selva!!!
Muito bem colocado Telma!!! E não esquecendo que num Estado com tanta preservação ambiental em plena Amazônia Brasileira com mais de uma hidrelétrica somos exportadores de energia e precisamos passar por esse perrengue!! Sabem porque?! Pq as políticas públicas atuais não são para os amapaenses somos apenas os moradores dessa terra rica, não somos o público alvo do usufruto! Vamos questionar mais pois sinto que isso foi um belo choque de realidade em pleno 2020! Vamos cobrar mudanças de vdd nessa “prioridade” e pelo preço altíssimo que pagamos!!! Acham barato o valor cobrado por esse serviço mal feito?! Vamos questionar mais! FALAR NÃO INCOMODA NINGUÉM, DEPENDENDO DO TEOR É A MENSAGEM QUE INCOMODA!!! Obrigada pelo espaço de desabafo!
Sábias palavras, Heloísa! Devemos sempre questionar sim, pois temos tantos deveres que às vezes achamos que cobrar nossos direitos acaba sendo trabalhoso. Mas concordo com você: as pessoas precisam ser melhor vistas, ouvidas e cuidadas. E esse choque enorme de realidade nos tirou de uma zona de conforto de omissão, que espero ser construtiva e salutar. Gratidão.
Irretocável! Retratou com muita iqueza e simplicidade o caótico momento vivido, transmitindo suavidade à questão, sobretudo
em face da experiência solidária diante do sofrimento humano.
Gratidão, Leo Victor! Ainda estamos passando por essa odisseia, e tenho certeza que apesar da dureza, está sendo de grande valia pra sabermos quem é quem.
Parabéns Telma, o texto sintetiza tudo o que nós estamos sentindo nesse momento.