Duplo cárcere: a realidade de mulheres que não recebem visita no sistema prisional e o papel da DPE-AP
Assistida em mutirão da DPE-AP no presídio feminino não teve mais contato com a filha de 13 anos desde que foi presa.
“Eu não quero que tenham pena de mim, só não quero que minha filha seja abandonada, ela é só uma criança e não tem culpa de nada. Não quero ela sozinha, jogada no mundo. Eu sei que ela pensa em mim todos os dias. Sei o que fiz, reconheço a Deus, tenho que pagar pelos meus erros. Só quero que ela fique bem”, desabafou aos prantos uma interna do presídio feminino do Amapá, presa há mais de 7 meses de forma provisória.
Desde que entrou no Instituto de Administração Penitenciária do Amapá (Iapen), ela aguarda o julgamento sem notícias da filha de 13 anos. A história dela é mais uma dos inúmeros casos de mulheres que foram abandonadas pela família.
O cenário de dificuldades e privações das mulheres internadas é bem parecido em todo o Brasil. De falta de absorvente e encarceramentos provisórios que ultrapassam o período permitido, o tempo também passa diferente para quem não tem notícias do outro lado.
O Brasil ocupa a 12ª posição no ranking dos países que mais prende pessoas no mundo e as mulheres estão entre o grupo que não recebe visitas com frequência e, algumas, nem mesmo esporadicamente.
Números levantados pelo Departamento Penitenciário Nacional (Depen), mostram que a taxa de pessoas encarceradas triplicou, subindo de 232.755 pessoas em 2000, para 773.151 em 2019.
Por ter um público majoritariamente masculino, as penitenciárias ao redor do Brasil não possuem a estrutura e as condições necessárias para atender mulheres, assim como a unidade prisional do Amapá. Atualmente, segundo o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), 49 mil mulheres no sistema penitenciário vivem em condições distantes do ideal para recebê-las.
O acolhimento da assistida foi realizado pelo Núcleo de Execução Penal da Defensoria Pública do Amapá (DPE-AP), durante um mutirão na penitenciária feminina. A defensora pública Elane Dantas, coordenadora do núcleo, explicou que a realidade do abandono é muito comum dentro do sistema carcerário.
“Infelizmente muitas mulheres, após serem presas, ficam sem qualquer contato com pessoas de fora, incluindo familiares e amigos, deixando até de receber itens como roupas e produtos de uso pessoal”, contou a defensora.
Desde que foi presa, a assistida não teve mais contato com ninguém, nunca chegou a receber visitas ou algum tipo de item pessoal. Ela lamenta o fato de não poder assistir às aulas por não possuir um item indispensável que, de acordo com a instituição, é levado pelos visitantes: uma calça.
A frequência nesse tipo de atividade contribui para a remissão da pena das internas, ou seja, quanto mais aulas são assistidas, maior é a redução no tempo da sentença. A Lei 12.433, sancionada em 2011, determina a diminuição de 1 dia de pena, para cada 12 horas de aula, divididas em 3 dias de atividades educacionais dentro da instituição.
“Eu estava indo em todas as aulas, mas não posso mais porque não tenho calça jeans e nem de malha que seja comprida. Como o professor é homem, eles exigem que a gente esteja sempre de calça, para evitar problema”, afirmou a assistida.
Mesmo nos presídios femininos, o machismo ainda é uma ferramenta de opressão muito presente e que dificulta o acesso das internas à questões básicas, como a educação. A violência é um fantasma que assombra desde o momento em que elas entram nas instituições, passando pelo esquecimento, até chegar em condições como essas, que afetam diretamente o lado psicológico.
Duplamente encarceradas, não apenas pela condenação de um crime, mas também pela prisão do abandono, essas mulheres encontram uma saída através da atuação da Defensoria Pública.
Mesmo com as poucas informações que a interna tinha sobre a filha, a menina conseguiu ser localizada pelo setor de Assistência Social da DPE-AP. Antes de visitar a mãe, ela deve passar por uma avaliação psicológica para analisar as possíveis condições traumáticas geradas pelo afastamento das duas.
Também através de uma mobilização da DPE-AP, a interna recebeu novas roupas para que pudesse voltar a frequentar as aulas e manter as atividades regulares dentro da instituição. Com o acesso à Justiça garantido de forma humanizada e acolhedora, ela vai permanecer no cumprimento da pena, mas com a segurança de que a filha está recebendo os cuidados necessários.